Alberto Perdigão – Jornalista, mestre em Políticas Públicas e Sociedade e editor do Blog da Dilma ( aperdigao@terra.com.br, @FalaPerdigao).Este endereço de e-mail está protegido contra spambots. Você deve habilitar o JavaScript para visualizá-lo.
O misto de cantor e comediante, o auto-denominado brega star Falcão, é o apresentador do novo programa da TV estatal cearense, a TV Ceará-TVC. A emissora colocou no ar nesta quarta feira (29), no horário nobre das 22 horas, o talk show semanal intitulado Leruaite* – com duas reprises, às quintas e aos domingos. Nada contra reprises, nada contra programas de entrevista e música, nem muito menos contra o talentosíssimo e necessário Falcão. Mas alguém tem que alertar o Ministério Público do Ceará e os verdadeiros donos da TV Ceará, que este pode ser mais um abuso da emissora controlada pelo governo cearense; que este pode ser mais uma expressão do patrimonialismo promovido por alguns, em detrimento do interesse coletivo.
Aproveito o fato para oferecer algumas possíveis reflexões sobre o papel das TVs ditas públicas em relação aos desafios de ampliar a cidadania e aprofundar a democracia. Primeiro, é preciso entender que, no mundo inteiro, as TVs estatais são entes públicos por essência, porque utilizam um canal público do espectro eletromagnético – como também o são as TVs privadas - e, sobretudo, porque são mantidas, direta ou indiretamente, com recursos públicos. Estas emissoras, nas democracias menos desenvolvidas, tendem a ser governamentalizadas ou patrimonializadas. Ou seja, são postas mais ao serviço dos interesses de um governo passageiro e de seus escolhidos, menos às necessidades de informação, expressão e diálogo da sociedade.
Mas há também as TVs públicas. Estas são instrumentos não da política partidária, mas de políticas de Estado. Não são ferramentas de interesses particulares, mas do direito difuso e do interesse coletivo. São emissoras financiadas com dinheiro público, recolhido e repassado pelo governo, mas são geridas por grupos formados exclusiva ou prioritariamente por representações da sociedade. Um conselho de administração e um conselho curador decidem, respectivamente, o que fazer com os recursos e como fazer a grade de programas. São orientadas pelo diálogo e para o diálogo. Não se movem prioritariamente pela construção de olhares cativos - a audiência, este produto da TV privada -, mas pela construção de liberdades.
O Estado brasileiro, não obstante os 61 anos de televisão no País, ainda tem dificuldade em relação a estes conceitos e em desatrelar as práticas de TV governamental das de TV pública. Não obstante a referência que a TV Cultura, da Fundação Padre Anchieta, representa e a experiência mais recente da TV Brasil, da Empresa Brasileira de Comunicação-EBC, os governos da Federação pouco ou nada fazem por desgovernamentalizar ou despatrimonializar as emissoras estatais. A TV Pernambuco (PE) e a TV Piratini (RS), inspiradas talvez nos espíritos confederado e farroupilha, podem ser as únicas exceções, por compartilharem as falas do governo com da comunidade e desta com o governo.
Em relação à TV Ceará, as decisões são tomadas entre o gabinete do secretário da Casa Civil e a mesa do superintendente da Fundação que administra a emissora - imagino ser assim também na TV estatal do seu Estado, especialmente se for uma ex-TVE. Tudo muito natural: quem manda na TV “do governo” é o governo. Mesmo que seja só para tentar, equivocadamente, a “eficiência” da TV privada e concorrer com ela. No caso do programa Leruaite, não houve um edital que promovesse a concorrência entre interessados, não houve uma seleção pública para o uso dos recursos públicos. Fazer ou não o programa, o gênero do programa, o roteiro, o apresentador, se seriam destinadas três horas semanais para a atração... tudo decidido como numa emissora privada.
A TVC destacou em seu site na Internet a estreia do programa (http://www.tvceara.ce.gov.br/noticias/leruaite-22h). E fez uma campanha publicitária nos dois maiores jornais do Ceará, em que oferecia um “tauco show”, escrito assim, “mais uma atração brega pra você que adora novelas, reality shows e programas de fofoca”. Foram 10 páginas coloridas em página determinada ao longo de quatro dias, num custo aproximado, em valores de tabela, de R$ 200 mil. Melhor investimento, talvez, fosse financiar, via edital, produtoras locais. E, se fosse o desejo da sociedade, fazer um programa com humoristas cearenses em busca de visibilidade, com pessoas com deficiência, afro-descendentes e outros grupos que têm voz, mas não fala nos meios de comunicação particulares.
Em relação ao programa, incomodou-me o escracho de chamar o grupo de cegos do regional Asa Branca de conjunto Num Tô nem Vendo. Talvez melhor que fossem eles, e não o cantor Fagner os entrevistados da estreia – se assim quisesse a sociedade. Estranhei também ver no figurino do Falcão um crachá com o telefone de contato para shows. Se não conseguir novos contratos, quem sabe seja convidado para o lugar nunca ocupado pelo Rafinha Bastos na Rede TV. E quanto às aves de rapina, citadas no título deste artigo¿ As harpias, águias e corujas, os falcões, abutres e urubus vivem isolados por natureza, não convivem com o público. E se tornam agressivas quando outro ser ameaça tomar-lhe o espaço.
*Conversa mole, xavecagem, conversa para boi dormir. (em: http://www.dicionarioinformal.com.br/significado/leruaite/2409/).
O misto de cantor e comediante, o auto-denominado brega star Falcão, é o apresentador do novo programa da TV estatal cearense, a TV Ceará-TVC. A emissora colocou no ar nesta quarta feira (29), no horário nobre das 22 horas, o talk show semanal intitulado Leruaite* – com duas reprises, às quintas e aos domingos. Nada contra reprises, nada contra programas de entrevista e música, nem muito menos contra o talentosíssimo e necessário Falcão. Mas alguém tem que alertar o Ministério Público do Ceará e os verdadeiros donos da TV Ceará, que este pode ser mais um abuso da emissora controlada pelo governo cearense; que este pode ser mais uma expressão do patrimonialismo promovido por alguns, em detrimento do interesse coletivo.
Aproveito o fato para oferecer algumas possíveis reflexões sobre o papel das TVs ditas públicas em relação aos desafios de ampliar a cidadania e aprofundar a democracia. Primeiro, é preciso entender que, no mundo inteiro, as TVs estatais são entes públicos por essência, porque utilizam um canal público do espectro eletromagnético – como também o são as TVs privadas - e, sobretudo, porque são mantidas, direta ou indiretamente, com recursos públicos. Estas emissoras, nas democracias menos desenvolvidas, tendem a ser governamentalizadas ou patrimonializadas. Ou seja, são postas mais ao serviço dos interesses de um governo passageiro e de seus escolhidos, menos às necessidades de informação, expressão e diálogo da sociedade.
Mas há também as TVs públicas. Estas são instrumentos não da política partidária, mas de políticas de Estado. Não são ferramentas de interesses particulares, mas do direito difuso e do interesse coletivo. São emissoras financiadas com dinheiro público, recolhido e repassado pelo governo, mas são geridas por grupos formados exclusiva ou prioritariamente por representações da sociedade. Um conselho de administração e um conselho curador decidem, respectivamente, o que fazer com os recursos e como fazer a grade de programas. São orientadas pelo diálogo e para o diálogo. Não se movem prioritariamente pela construção de olhares cativos - a audiência, este produto da TV privada -, mas pela construção de liberdades.
O Estado brasileiro, não obstante os 61 anos de televisão no País, ainda tem dificuldade em relação a estes conceitos e em desatrelar as práticas de TV governamental das de TV pública. Não obstante a referência que a TV Cultura, da Fundação Padre Anchieta, representa e a experiência mais recente da TV Brasil, da Empresa Brasileira de Comunicação-EBC, os governos da Federação pouco ou nada fazem por desgovernamentalizar ou despatrimonializar as emissoras estatais. A TV Pernambuco (PE) e a TV Piratini (RS), inspiradas talvez nos espíritos confederado e farroupilha, podem ser as únicas exceções, por compartilharem as falas do governo com da comunidade e desta com o governo.
Em relação à TV Ceará, as decisões são tomadas entre o gabinete do secretário da Casa Civil e a mesa do superintendente da Fundação que administra a emissora - imagino ser assim também na TV estatal do seu Estado, especialmente se for uma ex-TVE. Tudo muito natural: quem manda na TV “do governo” é o governo. Mesmo que seja só para tentar, equivocadamente, a “eficiência” da TV privada e concorrer com ela. No caso do programa Leruaite, não houve um edital que promovesse a concorrência entre interessados, não houve uma seleção pública para o uso dos recursos públicos. Fazer ou não o programa, o gênero do programa, o roteiro, o apresentador, se seriam destinadas três horas semanais para a atração... tudo decidido como numa emissora privada.
A TVC destacou em seu site na Internet a estreia do programa (http://www.tvceara.ce.gov.br/noticias/leruaite-22h). E fez uma campanha publicitária nos dois maiores jornais do Ceará, em que oferecia um “tauco show”, escrito assim, “mais uma atração brega pra você que adora novelas, reality shows e programas de fofoca”. Foram 10 páginas coloridas em página determinada ao longo de quatro dias, num custo aproximado, em valores de tabela, de R$ 200 mil. Melhor investimento, talvez, fosse financiar, via edital, produtoras locais. E, se fosse o desejo da sociedade, fazer um programa com humoristas cearenses em busca de visibilidade, com pessoas com deficiência, afro-descendentes e outros grupos que têm voz, mas não fala nos meios de comunicação particulares.
Em relação ao programa, incomodou-me o escracho de chamar o grupo de cegos do regional Asa Branca de conjunto Num Tô nem Vendo. Talvez melhor que fossem eles, e não o cantor Fagner os entrevistados da estreia – se assim quisesse a sociedade. Estranhei também ver no figurino do Falcão um crachá com o telefone de contato para shows. Se não conseguir novos contratos, quem sabe seja convidado para o lugar nunca ocupado pelo Rafinha Bastos na Rede TV. E quanto às aves de rapina, citadas no título deste artigo¿ As harpias, águias e corujas, os falcões, abutres e urubus vivem isolados por natureza, não convivem com o público. E se tornam agressivas quando outro ser ameaça tomar-lhe o espaço.
*Conversa mole, xavecagem, conversa para boi dormir. (em: http://www.dicionarioinformal.com.br/significado/leruaite/2409/).
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